"Eu vivo da dança e para a dança"
- Luana Silva
- 16 de set. de 2016
- 6 min de leitura
Atualizado: 12 de out. de 2024
Maria Fernanda Guerreiro dos Anjos me recebeu às 11h do último sábado (27). Sentou-se no sofá da recepção de seu estúdio, localizado no bairro do Stiep. Tinha acabado de dar aula para uma de suas dez turmas. De brincos longos, a mão direita enfeitada com pulseiras. Não dispensa os acessórios, mesmo que só para dar aula. Graduada em Dança pela Universidade Federal da Bahia – UFBA, ela se dedica há 20, dos seus 38 anos, à Dança do Ventre. Fernanda foi a primeira bailarina baiana a obter o Padrão de Qualidade da Khan el Khalili (SP), espaço de apresentação de dança do ventre reconhecido internacionalmente. Em 2003, ela e seu marido, André Uzêda, fundaram o Studio Dance Baladi, onde, atualmente, 100 alunas praticam Dança do Ventre. Após duas décadas se dedicando à cultura árabe, Fernanda é considerada uma das principais formadoras de profissionais no mercado da dança do ventre atualmente.

Fotos: Jay Fotografia
L.S.: Quando você decidiu que queria seguir na carreira de Dança? F.G.: Meu primeiro contato foi com o Jazz, aos sete anos. Aos nove, comecei a fazer Dança Moderna. Quando tinha 15 para 16 anos, estava muito focada na dança e decidi seguir nesse caminho. Aos 17 anos, fiz vestibular e entrei na faculdade de Dança, minha primeira opção. E tinha a intenção de entrar para o Ballet do TCA (Teatro Castro Alves).
L.S.: Você chegou a tentar entrar para o ballet? F.G.: Não, porque logo no início da faculdade eu conheci Márcia Mignak. Ela me mostrou esse mundo da Dança do Ventre e mudou todo o meu caminho.
L.S.: Como você a conheceu? F.G.: Ela fazia faculdade de Dança também, mas estava alguns semestres à minha frente. Ela me viu no corredor da faculdade um dia e me chamou, perguntou “você já fez Dança do Ventre?”, “você conhece?” e eu falei “não, nunca fiz”. Aqui em Salvador eu nunca tinha visto ou ouvido nada sobre isso. Só na televisão. Ela me chamou para assistir a uma aula, eu fui e fiquei louca, me apaixonei. Então ela me convidou para ser aluna. Foi paixão à primeira vista. Comecei a fazer aula, fazer aula e quando ela entrou de férias, perguntou se eu poderia substituí-la nas aulas e eu aceitei. Nessa época, eu tinha um ano e pouquinho de Dança do Ventre. Depois, sempre que ela precisava, eu a substituía nas aulas. Então, começaram a surgir convites para dar aula em academias e ela começou a me indicar. Eu comecei a dar aula meio que no susto, mas como sou muito perfeccionista, procurei estruturar minha aula. O curso de licenciatura já tinha essas matérias: como formular uma aula, como formular um plano de curso. Então, já comecei a fazer isso voltado para Dança do Ventre. Até minha monografia foi voltada para didática de ensino para Dança do Ventre. Depois que me formei (já tinha uns quatro a cinco anos de dança do ventre), comecei a dar aula em muitos lugares, de 9h da manhã até às 10h da noite, e a trabalhar voltada para a estruturação do meu método de ensino. Foi aí que veio a ideia de montar a escola, porque eu queria muito uma coisa que eu pudesse dividir realmente “aqui é nível básico”, “aqui é básico dois”, “aqui é intermediário”. E durante esses anos todos eu fui vendo o que funcionava e o que não funcionava, foram três anos nessa experiência.
L.S.: Como você avalia o cenário da dança do ventre em Salvador na época que você começou e hoje? F.G.: Totalmente diferente. Naquela época contávamos nos dedos as pessoas que faziam dança, umas quatro ou cinco professoras. Não tínhamos acesso a quase nada. Não existia YouTube, não existia Google, a internet ainda estava começando. A gente não tinha acesso a material. Foi beeem depois que começaram a surgir as primeiras fitas cassete de Lulu from Brazil. Ou a gente saía daqui e ia para São Paulo fazer aula ou então acabou. Não existia eventos, workshops em Salvador, nada disso. Hoje a facilidade nem se compara. Hoje uma bailarina de São Paulo dança, em duas ou três horas o vídeo está no YouTube. Hoje Salvador tem muitos eventos. A Bahia tem eventos. Hoje o acesso a informação é muito maior. Agora, tem o outro lado: com essa facilidade de informações, existe aquela coisa de pessoas que viram um vídeo no YouTube e acham que já podem dar aula.
L.S.: Como pessoas despreparadas podem prejudicar quem está aprendendo? F.G.: Pode afetar muito! Claro! Eu não digo nem que a pessoa tenha que fazer uma faculdade Dança, mas ela tem que se dedicar àquilo que está fazendo. Então, se a partir de um momento você resolve dar aula, seja qual for a modalidade de dança, você tem que se preparar para aquilo. Você tem que estudar, tem que procurar ver como você vai colocar aquilo no corpo do outro. Então você tem que saber um pouco de anatomia, tem que saber um pouco de cinesiologia do movimento. Se a pessoa está fazendo aquele movimento, qual musculatura está trabalhando? Se aquela pessoa tem um problema de coluna, ela pode fazer aquele movimento? Você tem que estudar para conseguir colocar aquilo no corpo do outro sem causar uma lesão. Se você vai ensinar, você tem que buscar conhecimento.

L.S.: Você consegue dizer quantas bailarinas já formou? F.G.: É uma pergunta difícil (risos). Poxa… contando eu não sei dizer. Mas sei que hoje, atuando no mercado, eu diria que 80% a 90% foram minhas alunas.
L.S.: Como você definiria como é ser um nome de referência em dança no ventre na Bahia? F.G.: Responsabilidade. Na verdade eu não penso nisso. Estou trabalhando incessantemente para melhorar a qualidade da dança. O reconhecimento foi acontecendo gradativamente, mas eu nunca busquei isso. Eu tento facilitar o conhecimento e ajudar as pessoas que estão buscando esse mesmo caminho que eu, porque eu sei como foi difícil.
L.S.: Você acredita que ter sido capa da Revista Shimmie é resultado desse seu trabalho incessante? F.G.: Acredito que sim. Receber o convite de ser capa me abriu os olhos para que esse trabalho estava sendo reconhecido. Eu tinha um mínimo de noção de como meu trabalho estava repercutindo aqui em Salvador, pelo resultado que eu ia vendo, várias alunas começando a surgir no mercado. Então, quando a produção me chamou para representar o Nordeste, eles me falaram que estavam acompanhando o meu trabalho há um tempo. E eu não tinha essa noção de que estava sendo acompanhada por pessoas de outros locais, de outros estados e muito menos da equipe da revista. Então para mim foi realmente uma surpresa muito grande.
Recentemente, entre os dias 7 e 9 de agosto, Fernanda Guerreiro realizou a 6ª edição doBaladi Congress, congresso de Dança do Ventre e Dança de Salão, que trouxe a Salvador bailarinas consagradas no Brasil, como Ju Marconato, Mahaila el Helwa, Nur, Nuriel el Nur, entre outras. A edição passada do Baladi Congress rendeu a Fernanda o prêmio de Melhor Produção de Evento no I Prêmio Shimmie, evento realizado em comemoração aos cinco anos da Revista Shimmie, revista especializada em Dança do Ventre.
L.S.: Como surgiu o interesse de produzir esse congresso? F.G.: Comecei fazendo eventos pequenos aqui no Studio, chamando uma bailarina de Dança do Ventre e um casal de Dança de Salão. Aí a coisa foi crescendo, eu trouxe duas bailarinas e dois casais. Em 2010, eu já tinha o projeto na cabeça, mas engravidei. Depois que meu filho nasceu, fiz o primeiro Baladi Congress, em 2011. E deu tão certo, a resposta foi tão positiva, que em 2012 eu fiz outro. E aí a coisa foi se estruturando e foi ganhando uma proporção muito maior. De 2014 para cá [o congresso] tomou uma proporção gigantesca. A gente não esperava o número de pessoas que teve. Superou todas as expectativas. No primeiro ano, tivemos 35 pessoas matriculadas em Dança do Ventre e 30 em Dança de Salão. Este ano tivemos uma média de 90 pessoas em cada modalidade. Sendo que juntando com o público dos bailes e shows [que acontecem durante o congresso], tivemos mil pessoas.
L.S.: Quais as maiores dificuldades de se viver de dança em Salvador? F.G.: Os altos e baixos. Porque muitas pessoas consideram a dança como hobbie, então quando a situação aperta o que é eliminado? O hobbie. É complicado porque a gente não tem uma renda fixa. Esses altos e baixos são a parte mais difícil de se viver de dança. Fora a desvalorização do profissional da dança, que acontece muito. Mesmo!. Porque tem isso de a pessoa querer que a gente dance o tempo todo por divulgação, troca. E acho que isso não é só da dança não. Tem outras pessoas que passam pela mesma situação. A arte é desvalorizada, infelizmente.
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